Construindo receitas de cerveja

por Leonardo Sewald 

Fazer cerveja é uma arte. Mas também é ciência, cultura, tradição, atenção ao detalhe e inovação. O ato de se criar uma receita de cerveja, tal como o ato gastronômico, é um momento de expressão do mestre-cervejeiro. Como no trabalho de um chef, o trabalho de um cervejeiro ao criar uma receita envolve bastante conhecimento técnico. Quanto mais você conhece seus processos e ingredientes utilizados, melhor fica o resultado final. Via de regra o processo de construção de uma receita começa do final. Ou seja, respondendo à pergunta “qual é a cerveja desejada?” faz com que o cervejeiro já consiga nortear o desenvolvimento da sua obra. Com base no seu conhecimento acerca das matérias primas e processos, o cervejeiro parte para a etapa de construção.

Em parte das vezes, o objetivo é o de reproduzir algum estilo tradicional, tal como uma Bavarian Hefeweizen, uma English Bitter ou ainda uma American IPA. Isso faz parte do trabalho básico de um cervejeiro, onde a primeira etapa envolve dominar o estado da arte, assim como um chef que se preze precisa saber preparar a sua carbonara. O cervejeiro iniciante ainda pode se valer dos guias de estilos como referência para esse tipo de trabalho, tais como o guia BJCP ou o guia de estilos da BA, compêndios de estilos de cerveja e um retrato da cerveja no mundo. Tais guias contém parâmetros básicos de uma receita que servem como referência, tais como: densidade original, densidade final, cor, IBU (amargor), teor alcoólico, dentre outros. Sem entrar muito em detalhe aqui, pensem em tais parâmetros como “alvos” para um cervejeiro.

Por vezes acontece de o cervejeiro não estar familiarizado com um dado estilo. Isso não é um problema quando você já sabe o básico: como cada matéria prima contribui no processo de fabricação e o quanto cada etapa do processo pesa no resultado final. Nesses momentos é conveniente buscar no mercado exemplos de cervejas do estilo em questão, como uma forma de balizar o seu trabalho. Como na música, aonde a criação vem de uma mistura entre inspiração e influência de outros artistas.

A partir daí o cervejeiro começa a juntar o quebra-cabeça de ingredientes: se eu quero uma cerveja cuja cor é clara, convém eu evitar de usar maltes que vão dar cor intensa para a cerveja, tais como maltes torrados e/ou maltes com alto teor de caramelo. Se eu estou construindo uma Hefeweizen, é importante que eu escolha um fermento que me trará o perfil sensorial clássico de cravo e banana típicos deste estilo. Se eu estou construindo uma receita de, digamos, uma American IPA, é importante eu avaliar com carinho as etapas de lupulagem, desde a escolha de quais lúpulos serão utilizados de acordo com o perfil sensorial desejado até o momento em que os lúpulos serão adicionados pois, novamente, sabendo como cada etapa contribui com o resultado final, é possível prever como as matérias primas irão se comportar durante o processo.

A partir daí é matemática pura: medir precisamente o quanto de cada ingrediente será utilizado, calcular as perdas envolvidas no processo, que variam de acordo com os equipamentos utilizados, calcular o amargor de acordo com as adições de lúpulo e o quanto cada lúpulo contribui, calcular o teor alcoólico de acordo com a densidade do produto, ajustar as rampas de temperatura, taxa de inoculação de fermento… E por aí vai… Complicado né? Enquanto o cervejeiro mais experiente consegue estimar tais fórmulas manualmente, quem está começando nessa jornada não tem com o que se preocupar, pois hoje em dia já existem softwares de apoio que auxiliam nesse processo, inclusive já comparando com o seu alvo de estilo a ser atingido, o que torna a tarefa de construir uma receita bem mais fácil.

Mas muitas vezes o cervejeiro empolgado deseja criar algo novo, diferente, inovador. Seja um pequeno twist em algum estilo já existente, como adicionar outra fruta que não raspas de laranja em uma witbier, ou ainda algo mais exótico, como criar uma pastry stout. Nesse momento gosto de citar o escritor Mark Twain: “get your facts first, then you can distort them as you please”. Novamente me valendo da comparação com o universo gastronômico, assim como um bom chef precisa saber como executar uma carbonara ou preparar o seu próprio bechamel, é importante para um cervejeiro iniciante consolidar o seu conhecimento básico, conhecer e se aprimorar nas técnicas mais simples, entender como cada matéria prima pode contribuir no processo, pois é este conhecimento básico que permitirá ao cervejeiro avançar em novas criações. Como o bom e velho Mark disse, domine o estado da arte primeiro, depois distorça-o à vontade. E aí, quer montar a sua própria receita? Algumas considerações importantes que com certeza irão ajudar a nortear a sua jornada:

1) Menos é mais: muitos cervejeiros inexperientes tendem a utilizar “de tudo um pouco” em termos de matérias primas. Isso não torna a receita mais complexa, isso só a torna difícil de digerir. Certifique-se de que cada ingrediente que consta na sua receita está ali por um propósito, não apenas
para figurar como coadjuvante.

2) Não exagere nos caramelados e maltes especiais: normalmente um grain bill de uma receita consiste em 80 a 100% de maltes-base, tais como Pilsen ou Pale Ale. Os maltes especiais são muito marcantes e também podem prejudicar a fermentabilidade do seu mosto se utilizados em excesso. Nesse
sentido, pense nos maltes especiais como “a cereja no bolo” da sua lista de maltes.

3) Use lúpulo de maneira eficiente: lúpulo demais tende a impactar rispidez no paladar, além de deixar a cerveja desbalanceada. Se você busca apenas um balanço de amargor, considere somente adições de início de fervura; se você busca aroma e sabor de lúpulo, considere adições tardias e, quem sabe, um dry hopping.

4) Não exagere nas técnicas: sempre tem aquela técnica exótica de mostura pra experimentar, ou ainda aquele dry hopping triplo que você ainda não fez, ou quem sabe um kettle sour só porque é divertido… Novamente, cada técnica tem um propósito, e é importante que o seu processo seja o mais
eficiente possível, sem exageros.

5) Cuide bem do seu fermento: quem faz cerveja não é você, quem faz a cerveja é o seu fermento. Ele é o seu “funcionário” mais importante. Trate-o com carinho e ele vai te entregar uma obra-prima em estado líquido; trate-o mal e ele vai arruinar todo o seu trabalho!

Saúde!

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